Atualizaçom da Normativa Ortográfica da AGAL: incremento da coesom, conservaçom do valor estratégico (e II)

Atualizaçom da Normativa Ortográfica da AGAL: incremento da coesom, conservaçom do valor estratégico (e II)

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Carlos Garrido - A essência, pois, da Atualizaçom Ortográfica acometida agora pola CL-AGAL é que concilia a conveniência de reforçar a coesom gráfica entre as diferentes normas do galego-português, definida pola recente entrada em vigor no Brasil e em Portugal do AOLP, com a vital necessidade de conservar o valor estratégico da normativa da AGAL.

Nom se abandonam agora, portanto, os carateres constitutivos da codificaçom ortográfica e morfológica efetuada em 1983 e 1985 pola CL-AGAL, isto é, os traços fundamentais que, por um lado, individualizam esta normativa no seu harmónico convívio com os congeniais padrons lusitano e brasileiro e que, por outro lado, convenientemente a segregam da aberrante normativa isolacionista da rag-ilg, carateres esses que reinserem com eficácia a modalidade galega da língua galego-portuguesa na sua tradiçom histórica e na solidariedade com as outras variedades do seu sistema, ao mesmo tempo que lhe refletem de modo específico as peculiaridades substantivas.

Por conseguinte, ao adotar agora o AOLP, a CL-AGAL nom entrega o padrom galego da AGAL a umha convergência absoluta com o lusitano, destino que algumhas pessoas, sem argumentos ou com argumentos falaciosos, vinham reclamando nos últimos meses, semeando entre o público umha confusom que em nada beneficia o Reintegracionismo. Nom é, claro, que os codificadores da CL-AGAL sejam contrários à utilizaçom do padrom lusitano por parte dos galegos, mas todo o contrário, pois, de facto, o padrom da CL-AGAL é essencialmente concebido para suscitar, de modo natural, tal capacitaçom; trata-se, antes, de que a desapariçom do padrom galego da CL-AGAL através do abandono dos seus carateres constitutivos e através da sua convergência absoluta com o lusitano, se nalgumha altura pudesse vir a encarar-se como desejável, hoje, na Galiza atual, tal medida revela-se gritantemente prematura (porventura Tui tem já a mesma hora que Valença?) e, em qualquer caso, ela detrairia eficácia, de modo dramático, ao movimento reintegracionista.

Porque, afinal de contas, o que tem mudado para o Reintegracionismo de 1983 para o presente ano, em que o AOLP é tornado oficial em Portugal? Embora durante esse período se tenham dado avanços significativos da prática e da socializaçom reintegracionistas, e mesmo caiba registar nele novidades claramente vantajosas para a causa do galego-português (como, sobretodo, a emergência e popularizaçom da internet), nom se pode ignorar que, ainda hoje, a opçom reintegracionista continua a ser marginal no seio da sociedade galega, minoritária entre os setores galeguistas e desprezada e perseguida polo poder político e económico, pouco interessado na perduraçom da língua autóctone da Galiza. Nestas circunstáncias, será possível entendermos que a recente oficializaçom do AOLP em Portugal torne hoje obsoletos na Galiza os carateres constitutivos da normativa da AGAL e, portanto, a própria normativa da AGAL? Acontecerá, entom, porventura, que a única justificaçom ou razom de ser da padronizaçom efetuada na Galiza pola  CL-AGAL era de natureza exógena, a saber, que em Portugal se grafava actividade, mas atividade no Brasil?

Nom, evidentemente! Entre os carateres constitutivos do padrom da CL-AGAL, aqueles que demarcam o galego em relaçom ao lusitano e ao brasileiro —salientando a natureza pluricêntrica da língua comum—, além de estarem legitimados pola tradiçom histórica e pola sincronia, detenhem, de facto, um importantíssimo valor estratégico na Galiza atual, indispensável para o Reintegracionismo antes e indispensável depois da oficializaçom em Portugal do AOLP. Justamente, nas próximas linhas propomo-nos glossar, de modo sintético, em que consiste este fulcral valor estratégico da normativa da AGAL, circunstáncia que na Galiza atual torna mais eficaz para a causa reintegracionista, para a causa da língua, a utilizaçom da normativa agaliana do que o recurso ao padrom lusitano. Diga-se, antes de mais, que a exposiçom que aqui se fai da alta utilidade social do padrom da CL-AGAL nom persegue, em modo algum, censurar a utilizaçom do padrom lusitano por parte dos galegos, antes delimitar as funçons e a eficácia social que convém a cada opçom normativa, nunca esquecendo que um dos objetivos de qualquer prática reintegracionista é, precisamente, a divulgaçom na Galiza do conhecimento das modalidades lusitana e brasileira da língua comum.

O grande valor estratégico da normativa da CL-AGAL advém das seguintes quatro propriedades, que tornam na Galiza atual a codificaçom ortográfica e morfológica agaliana mais eficaz para a causa do reintegracionismo do que o padrom lusitano: 1.ª- Melhor correspondência com os falares galegos; 2.ª- Orientaçom pedagógica; 3.ª- Constituiçom de um elo de ligaçom entre o galego-castelhano e o luso-brasileiro; 4.ª- Autoctonia da fonte de codificaçom. Vejamos a seguir como se plasmam na Galiza atual estas propriedades e os beneficiosos efeitos que elas produzem para a causa da língua e do reintegracionismo.

A melhor correspondência com os atuais falares galegos do padrom da CL-AGAL em comparaçom com o padrom lusitano deriva da circunstáncia de aquele, mas nom este, ter sido especificamente concebido para espelhar o que poderia ser chamado de “galego comum contemporáneo”, incluindo-se aqui peculiaridades substantivas (e legítimas!) dos falares galegos que conformam umha norma galega em processo de cristalizaçom. Assim, por exemplo, no relativo à nasalaçom, o “galego comum” vê-se mais bem refletido nas grafias agalianas umha e home do que nas respetivas lusitanas uma, homem; nos morfemas (ou, se se preferir, forçando algo, grafemas!) terminais agalianos afámcapitámcamiomverao, mais bem do que nos respetivos lusitanos afãcapitãocamiãoverão; no uso promoninal dou-cho mais bem do que no galego minoritário dou-to; na forma fôrom, oposta na Galiza a foram, mais bem do que na equivalente lusitana foram; enfim, nas formas verbais agalianas ele fai, ela fijo, eu pugem e eu partim, mais bem do que nas respetivas lusitanas ele faz, ela fez, eu pus e eu parti.

A orientaçom pedagógica da codificaçom da CL-AGAL, a qual tem em conta as atuais deficiências da reproduçom social da língua na Galiza, está vinculada em grande medida à propriedade anteriormente exposta e pode ver-se em açom, por exemplo, numha série de convençons (gráficas) que, ausentes do padrom lusitano, no padrom galego permitem divulgar eficazmente por escrito a realizaçom fónica correta de vozes cujo uso deva ser restaurado ou introduzido na Galiza atual a partir do luso-brasileiro, como acontece nos casos do emprego do trema (ex.: lus. equino ‘relativo ao cavalo’, liquefazer, questão, sanguíneo, tranquilo / CL-AGAL eqüino, liquefazer, questom, sangüíneo, tranqüilo) ou das terminaçons -ám ou -om em vozes que no padrom lusitano findam em -ão (ex.: lus. alçapão ==> Gz. leitura -ám ou -om?; lus. leilão ==> Gz. leitura -ám ou -om? / CL-AGAL alçapom, leilám).

O padrom definido pola CL-AGAL, mas nom o lusitano, constitui na Galiza um eficaz elo de ligaçom entre o galego-castelhano e o luso-brasileiro. Umha vez que a maioria da sociedade galega e do movimento galeguista continuam subjugados polo padrom galego-castelhano da rag, e que a familiarizaçom dos galegos com o luso-brasileiro se revela hoje indispensável para regenerar a modalidade galega da língua comum, esta condiçom de pontífice da normativa da AGAL, quer dizer, a sua capacidade de lançar pontes da vertente codificadora abafante para a vertente comunicativa vivificante, determina o superior valor estratégico na Galiza atual do padrom da CL-AGAL. Para ilustrar de modo gráfico este ponto, referirei o caso desses alunos de disciplinas de traduçom para “galego” que, em várias ocasions, a mim se tenhem dirigido para me dizerem: «Professor, eu achava que em galego nom se podia utilizar o nh como em luso-brasileiro [unha; galego-castelhano: uña], mas, olha, vejo que sim, porque aí está o mh [umha; galego-castelhano: unha; lusitano: uma]!». (Neste sentido, na minha experiência docente também vim a verificar que a normativa da AGAL incrementa a sua eficácia social com os plurais de tipo cançons, em vez de canções).

A fonte de que emana, e que enforma, o padrom da AGAL é galega, integrada por galegos e sediada na Galiza (a CL-AGAL), autoctonia codificadora assim entendida que nom é extensiva ao padrom lusitano, o qual, na sua formulaçom contemporánea, nasceu e é regulado fora da Galiza. Observe-se, a este respeito, que a recente criaçom na Galiza da Academia Galega da Língua Portuguesa, instituiçom que entre nós promove o uso do padrom lusitano, nom veu alterar este estado de cousas, porque, mui significativamente, entre os objetivos desta instituiçom, definidos nos correspondentes Estatutos, nom se encontra o de codificar ou regular o padrom da modalidade galega. Esta divergência entre os dous padrons em foco —que, em princípio, poderia ser pouco significativa («A minha pátria é a língua portuguesa», Pessoa dixit)—, na (atual) Galiza, como a seguir veremos, determina umha superior eficácia social do padrom da CL-AGAL em relaçom ao padrom lusitano.

As quatro propriedades ou caraterísticas do padrom galego da CL-AGAL que se acabam de enunciar determinam umha série de efeitos benéficos para a causa da língua e do reintegracionismo na Galiza atual que a seguir declaramos:

a) O padrom da CL-AGAL apresenta umha receçom social mais eficaz e mais natural na Galiza atual do que o padrom lusitano. Umha melhor correspondência com os atuais falares galegos (ou com o “galego comum”), umha clara vocaçom pedagógica e a condiçom de ponte ou elo de ligaçom entre o galego-castelhano e o luso-brasileiro continuam a favorecer, nesse sentido, a normativa da AGAL. Observe-se que, de facto, o padrom reintegracionista preferentemente usado hoje nos centros sociais alternativos sediados nas cidades e vilas galegas, na atividade política da Galiza (grupos soberanistas) e na imprensa de informaçom geral (Novas da Galiza) é o da AGAL.

b) O padrom da CL-AGAL, ao fomentar o fator identitário galego, também no seio da Lusofonia (ou Galecofonia!), suscita de modo mais eficaz na Galiza a adesom ao reintegracionismo lingüístico. Observe-se, a esse respeito, que os setores sociais mais acessíveis à causa do reintegracionismo som, naturalmente, os mais conscientizados do ponto de vista lingüístico, isto é, os círculos do galeguismo cultural e político. Considere-se que a Galiza, apesar da sua vizinhança com Portugal, representa, a respeito deste, umha entidade social e política independente. Tenha-se também em conta que é umha constante da tradiçom galeguista e ainda reintegracionista a conceçom de que à Galiza e aos galegos cabe a potestade de codificarem com autonomia a sua língua autóctone. Confrontem-se, enfim, estes factos com as propriedades do padrom da CL-AGAL de melhor correspondência com os atuais falares galegos (ou com o “galego comum”) e, sobretodo, de autoctonia codificadora (v. supra).

c) O padrom da CL-AGAL nom é tam suscetível como o padrom lusitano de ser (mal) interpretado ou de ser maliciosamente apresentado na Galiza atual como estrangeiro ou estrangeirizante. Com efeito, as propriedades de maior correspondência com os atuais falares galegos, orientaçom pedagógica, constituiçom de elo de ligaçom entre extremos normativos e autoctonia codificadora fam com que o padrom da AGAL, mas nom o lusitano, seja hoje aceitado (ou, polo menos, poda ser aceitado!), por exemplo, como veículo de comunicaçom válido nos tribunais de justiça sediados na Galiza (cf. Agália, 58: 259). Outro caso concreto que abona o dito é o que a seguir descrevo. Recentemente, aos professores do departamento de “português” de umha escola oficial de línguas sediada na Galiza foi rejeitada pola administraçom autonómica umha programaçom de estudos escrita em padrom lusitano com o argumento de que tal documento devia estar em “galego”; no entanto, quando tal programaçom a enviárom escrita na normativa da CL-AGAL vários professores de outra escola de línguas, a administraçom “tivo de engolir” e aceitou o documento.

d) O padrom da CL-AGAL de modo mais eficaz que o padrom lusitano deslegitima a normativa isolacionista da rag e desautoriza os codificadores desta. Dadas as propriedades e dados os efeitos do padrom da CL-AGAL já comentados, é fácil ver o porquê dessa maior eficácia. Em ligaçom com o efeito explicado na anterior alínea c), e tendo em conta que ainda hoje os galegos que utilizamos qualquer dos dous padrons reintegracionistas, o da CL-AGAL ou o lusitano, formamos um coletivo (mui) reduzido, o atual establishment lingüístico galego pode apresentar, e assim de facto o fai, os atos comunicativos realizados na Galiza em padrom lusitano como atitudes individuais excêntricas e estrangeirizantes, e mesmo antigalegas («Já está esse fato de loucos radicais a escreverem em português»), enquanto que o mesmo, com tal facilidade, nom o pode fazer com os galegos que utilizam o padrom agaliano. Abundam os indícios significativos que apontam no sentido aduzido. Por exemplo, na revista A Trabe de Ouro, dirigida por X. L. Méndez Ferrín, atual Presidente da rag, os galegos podem escrever em “português” (no padrom lusitano), mas nom na normativa da CL-AGAL! No Serviço de Publicaçons da Universidade de Vigo, o seu Presidente-Diretor, o Prof. Antón Palacio Sánchez, furibundo antirreintegracionista, veta de facto desde há anos qualquer publicaçom escrita em normativa da CL-AGAL, mas permite a ediçom de textos escritos em padrom lusitano (em “português”)! (Por outro lado, quer-nos parecer que o facto de dirigentes e ex-dirigentes do bng recorrerem habitualmente ao padrom lusitano, e nom à normativa da AGAL, em contextos de compromisso reintegracionista terá bastante a ver com o efeito aqui focalizado...).

e) O padrom da CL-AGAL apresenta para a modalidade galega da língua galego-portuguesa umha ótima relaçom entre as funçons que podemos denominar injetiva (ou de injeçom) e projetiva (ou de projeçom). Com efeito, tal normativa apresenta, na Galiza atual, enorme eficácia para aproximar os galegos do luso-brasileiro, para naturalizar entre nós o luso-brasileiro enquanto galego pleno (injeçom), e umha eficácia só algo menor para aproximar os portugueses e brasileiros do galego (projeçom). Sendo, claramente, mais importante nesta altura para a promoçom da língua na Galiza a funçom injetiva do que a projetiva (embora esta também seja importante!), o padrom da AGAL configura-se hoje como socialmente mais eficaz do que o padrom lusitano.

Em conclusom, à vista das propriedades e respetivos efeitos do padrom galego da CL-AGAL acima glossados, parece claro que a normativa agaliana detém hoje, na Galiza atual, umha alta utilidade social e um superior valor estratégico para a causa da língua e do reintegracionismo. A este respeito, nom se questiona aqui nem a legitimidade nem o interesse de os galegos utilizarem na Galiza o padrom lusitano, antes, tentou-se mostrar nesta análise como o recurso ao padrom da AGAL, agora atualizado conforme o AOLP, continua a representar nesta altura, para a causa da língua e do reintegracionismo, umha opçom de maior eficácia social, o que, de resto, é hoje claramente testemunhado polo predomínio da normativa da AGAL, entre os padrons reintegracionistas, nos ámbitos de interaçom e intervençom social intensos (docência, jornalismo, política, ativismo social). Para findarmos este artigo, e para arredondarmos a argumentaçom, podem mui bem servir as palavras do Mestre Ricardo Carvalho Calero, quem, sempre preocupado pola receçom social da mensagem reintegracionista, e nítido defensor de um padrom galego afim ao da AGAL, encerrava assim o prefácio do seu livro Problemas da Língua Galega (Lisboa, 1981): «O último [capítulo da obra] está escrito na forma do galego-português normativa no país em que o livro se edita [Portugal], homenage dum galego à versom mais universal do sistema lingüístico comum. Os demais, num galego que nom aspira a ser exemplar, mais inteligível a umha e a outra banda do Minho, e veste um indumento gráfico [o patente nestas linhas!] inspirado no desejo de nom provocar dificuldades de imprensa e de leitura na terra em que sai do prelo.».

 

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