Miguel López Calzada: «Devemos fazer do galego algo tão irresistivelmente atraente que a gente queira fazê-lo seu»

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Miguel López Calzada (foto Miquel Darder)

Miguel López | Foto: Miquel Darder

Miguel López Calzada mora em Barcelona desde há uns anos. Estudou jornalismo em Compostela mas na actualidade trabalha como luminotécnico em TV, concertos, festivais, convenções, etc. Ainda, continua coa sua formação universitária e colabora com o jornalismo galego e com o teatro.

Procedes duma família metade galega, metade salamanquina. Como foi a tua relação com o galego?

A minha língua materna é o castelão, o galego é a paterna. Fui castelão-falante até chegar à universidade em Santiago. Ao rematar a Licenciatura de Jornalismo, o galego era o meu idioma veicular. Não tenho consciência de ser “neofalante”, sempre soube falar o galego. Era diglóssico.

Depois, cursei o Mestrado em Estudos Teatrais e Cinematográficos na Universidade da Corunha. Eu era a única pessoa monolingue em galego, mesmo coas companheiras sul-americanas. Nunca tive problema de compreensão nenhum.

Na Cascarilha estudei também o CiclO Superior de Imagem, na Escola de Imagem e Som. Lá havia um ambiente algo mais favorável à nossa língua, incluindo alguma aula em galego e companheiras galego-falantes.

 

Falar galego na Galiza é de cote objeto de preconceitos e de discriminação. Numa entrevista de trabalho perguntaram-me pola minha ideologia, por não ter virado pro idioma do entrevistador. Numa agência de televisão prescindiram de mim porque não instava as entrevistadas a falarem em castelão.

O mais absurdo é que, ao ser a minha nai de Salamanca, o lógico devera ser eu falar mais castelão do que o resto da população galega, ser raro por isso. Mas sou raro por teimar em falar galego na Galiza.

Quando e por que decidiste passar para o galego internacional?

O meu primeiro contacto foi através de grafites nas paredes de Lugo: JUGA, greves… Na universidade intensificou-se esse contacto, sempre a partir da política: cartazes, palestras, etc… Eu era das pessoas que viam esses textos coma “portugueses”, isto é, estrangeiros.

A revelação fulcral foi o “ñ”. Esta letra é usada quase que só por Castela e as suas (ex-) colónias. Vira evidente a existência duma imposição. Ou rendição. A consequência lógica é assumir o padrão internacional do galego.

Moras em Barcelona desde há uns nove anos. Como é vista a situação da língua do exterior? Do ponto de vista dum galego morando no exterior?

Catastrófica, sendo optimista. O galego já não é mais a língua primeira da Galiza. E se ainda está por riba dos quarenta por cento de uso como língua veicular é pola população idosa. Há gente nova que nem sabe falar o galego. E que tanto lhe faz.

Durante perto de mil anos, a prática totalidade da população da Galiza viveu em galego. Encetando o último quinto do século XX, ainda mais dos oitenta por cento da nação tinha o nosso idioma como língua veicular. Em trinta anos estragamos quase um milénio de história, de cultura, de sermos.

A estratégia tem de ser de sedução.
Devemos fazer do galego algo tão irresistivelmente atraente
que a gente queira fazê-lo seu

Por onde achas que deve caminhar a estratégia reintegracionista?

Na Galiza há um conflito linguístico. O galego está a ser substituído polo castelão a grande velocidade. Cumpre reagirmos, logo. Mas a meta não pode ser, evidentemente, eliminar a adversária. Se o povo não quer falar o galego, o povo é soberano.

A estratégia tem de ser de sedução. Devemos fazer do galego algo tão irresistivelmente atraente que a gente queira fazê-lo seu, ser parte dele. Que deveça polo galego. E sem perdermos nunca o sorriso, mesmo no agre do conflito. Para isso temos a retranca.

Também cumpre sabermos quais batalhas vale a pena pelejar. Para mim, galego, português ou brasileiro são três denominações para um mesmo idioma. Mas eu prefiro chamar-lhe de galego. E a meirande parte da população do país também, for galego-falante ou não, for reintegracionista ou não. Chamar-lhe de português à nossa língua pode separar-nos de sectores sociais que, doutro jeito, poderiam ser aliados. Melhor sublinhemos o evidente: é o isolacionismo quem emprega uma norma forânea, a do castelão; é o reintegracionismo quem escreve enxebre, segundo a nossa secular tradição histórica. A identidade das falas a Norte e a Sul do Minho evidenciará-se por si mesma.

Também acho estrategicamente bom priorizarmos, na fala e na escrita, as variantes próprias por riba das não-galegas. Isto pode ajudar o reintegracionismo a deixar de ser percebido como estranho por parte da população. Certamente, cumpre limparmos a fala dos barbarismos que introduz a língua dominante. E recuperarmos formas patrimoniais marginadas que hoje passam por “lusismos”. Mas isso não converte automaticamente as nossas variantes genuínas em “vulgarismos” ou “castelanismos”.

Por que empregarmos o castelanismo “castelhano” se na Galiza está plenamente viva a forma patrimonial “castelão”? O mesmo com “pero”, “ca”, “polo”, “alá”, “arriba”, “coma”…; formas todas que aparecem no dicionário português, catalogadas habitualmente como arcaísmos. Mas na Galiza são formas vivas e actuais; podem e devem ser utilizadas. São uma ponte coa fala viva da gente. pralém, afirmarmos a nossa singularidade dentro da língua global combate esse discurso isolo-espanholista de nos quieren meter el portugués.

Como antigo castelão-falante e ex-isolacionista, sei que a escrita reintegrada tem um impacto inicial (visual, sobretudo) que pode provocar alienamento. Empregarmos o máximo de variantes próprias pode ajudar a reduzir essa primeira impressão na gente, sem renunciarmos à unidade da língua. Que seja um intercâmbio equilibrado e normal coa galeguia global, num futuro normalizado, quem determine, de jeito natural, quais formas são as preferidas polas galegas.

De fora percebo, ademais, uma deriva direitista no reintegracionismo. Aplaudirmos a expansão do luso-galaico polo mundo à custa de substituir línguas africanas ou americanas é empregarmos uma lógica imperial. É celebrarmos fora o que rejeitamos na casa. Moçambique não é nenhum país lusófono, o galego é minoritário nesse estado de fronteiras retilíneas. Salientarmos o útil que é o galego pro “nosso” comércio é dizer que é útil prós negócios das capitalistas galegas coas elites galego-falantes de Angola, as que oprimem os povos de língua africana.

Mas para além de considerações ético-ideológicas, acho que esta “moderação” (=direitização) é uma estratégia errada. Já se viu o bem que foi ao galeguismo institucional na sua tentativa de engaiolar a burguesia. Ademais, parte das pessoas a trabalhar no reintegracionismo ainda têm um pensamento transformador e não assumem a ideologia liberal. Pretender que essa gente trabalhe de manhã por um mundo novo e melhor e de tarde proclame a utilidade do galego para as nossas multinacionais é promover a esquizofrenia da militante. Cumpre uma linha comum acordada e unificadora.

Querermos ocupar uma posição central é positivo. Confundir isso com assumirmos a ideologia dominante é errado. Temos que conseguir que o galego seja percebido como útil, certo. Mas o nosso conceito de utilidade não pode ser o mesmo que maneja o sistema, vencelhado ao lucro económico imediato. O galego não pode ser apenas um produto, uma mercadoria.

Uma das fortalezas do catalão é hoje estar identificado coa educação e coa sanidade públicas da Catalunha, co chamado “estado do bem-estar”. Na Galiza acontece ao revês: o castelão está vencelhado coa ideia do progresso e do bem-estar, o galego ao atraso e a miséria. Mas, ulo progresso, ulo bem-estar?

A “Galicia” construída em torno ao castelão é um ermo. Há um desequilíbrio territorial nefasto entre costa e interior. O tecido produtivo tradicional foi quase destruído. O trabalho assalariado, que nos ia sacar da fome, é precário ou inexistente. A emigração, fantasma supostamente passada, está de volta. O saldo demográfico é negativo. “Galicia” agoniza, dessangrada pola elite que a inventou pro seu lucro e rematada por um povo que, mesmo inconscientemente, nunca acabou de aceitá-la e decidiu não reproduzi-la, não reproduzir-se. “Galicia” não se reproduz mais.

Temos de inventar uma nova Galiza. Uma Galiza senhora do lar em que “Galicia” esmorece. Uma Galiza que vaia para além do estado do bem-estar e mais de estado nenhum. Uma Galiza que recupere da nossa tradição valores coma o equilíbrio territorial, a sustentabilidade, a integração balançada do humano no meio, o contacto coa natureza, a singeleza. Uma Galiza, também, que aproveite o bom que nos têm deixado a ciência, a indústria e mais a tecnologia. Uma Galiza solidária, que não deixe ninguém no caminho, que não obrigue a emigrar, que não explote nem seja explotada, que garanta a saúde, o teito e mais o jantar. Uma Galiza que amar, na qual amar e sermos felizes.

Esse mundo novo, na nossa terra, tem de levar o galego no bico, inevitavelmente. Temos que conseguir que o galego seja símbolo desse futuro melhor, possível e imediato. Se conseguimos isso, sempre será primavera pro galego.

És luminotécnico, mas continuas a tua formação universitária. No ano 2012 obtiveste o Mestrado em Iniciação à Investigação em Comunicação Audiovisual com um trabalho, sobre novas linguagens cinematográficas em relação às novas tecnologias e o seu potencial como veículo de expressão popular e de democratização do cinema. Como achas que respira o cinema (amador) galego?

El cinema cru é um trabalho de investigação sobre a irrupção das novas tecnologias na produção audiovisual. Canda elas aparece uma nova estética que se adoita identificar co amadorismo, mas que aginha é adoptada também polo cinema comercial, para se adobiar duma pretendida credibilidade. Tem, por tanto, um potencial democratizador latente, mas que precisa de ser concretizado por uma vontade expressa num trabalho preciso, ou será simplesmente absorvido na corrente produtiva dominante.

Logo se a distância entre o que se denomina “amador” e “profissional” pode ser recortada mediante o recurso a uma simples estética, cecais é que essa distância não é tão grande. Na nossa sociedade, uma figurante num anúncio de iogurte é uma intérprete mais “profissional” ca outra que representa Vidal Bolaño num centro social ocupado. Mas, se fizermos uma análise qualitativa de ambos os trabalhos, é possível que o que um tenha em meios técnicos, o outro o compense no conteúdo. Ao cabo, vemos que é o lucro quem marca a principal linha divisória entre “amador” e “profissional”, o mesmo que antes falávamos dum conceito capitalista de “utilidade”.

Para além disto, lamento admitir que não conheço polo miúdo a actualidade do panorama audiovisual galego, quer do “profissional”, quer do “amador”. Por exemplo, ainda não tive oportunidade de visionar Santa Liberdade, Os fenómenos, A Esmorga, As silenciadas… E tenho gana de ver em que dá o projeto Próxima estação galego-português.

Apesar de tudo, consigo alviscar cousas interessantes e, felizmente, vencelhadas à língua, como as muitas produções escolares que participam no certame Olloboi. Ou os lip-dubs gravados em muitos dos nossos liceus. Alguns destes projectos, canda outros coma videoclipes ou curta-metragens, podem ter um relativo valor artístico e/ou técnico. Mas acho que dão uma medida da cada vez maior familiaridade da população galega coas ferramentas de gravação, edição e difusão. Isso encerra um alto potencial de futuro pro audiovisual autóctone.

O esmorecer do galego é paralelo ao esmorecer
do modo de produção tradicional na Galiza

Agora estás imerso na tua tese de doutoramento, centrada em En todas as mans, documentário galego produzido pola cooperativa Trespés. Qual é o teu objeto de estudo? Conta-nos um pouco sobre esta experiência…

Trespés define-se como empresa sem ânimo de lucro, mas salientando que isso não é sinónimo de trabalhar grátis. Velaqui uma alternativa possível à falsa dicotomia entre “amadorismo” e “profissionalismo” da que falávamos. Mais ainda, é um projeto que encerra um potencial de mudança nas relações de produção como passo prévio a um outro modo de produção e, consequentemente, a uma nova sociedade. Seria, de certa maneira, a praxe da teoria de Holloway: o “fazer” em troca do “trabalho”.

En todas as mans, dirigido por Diana Toucedo, produzido por Alberte Román, com roteiro de ambas as duas e mais imagem de Iván Castiñeiras, é o resultado deste jeito de produzir alternativo. É um documentário que narra, ademais, e de jeito inteligente e fermoso, um outro mundo possível que já existe, que não cumpre inventar nem imaginar, e que tem também muito de cooperativo: os montes em mão comum nas terras galego-portuguesas da velha Gallaecia.

Acho que é uma síntese mui interessante: uma narração sobre um modo de produção parcialmente pré-capitalista, produzida com umas relações de produção parcialmente pós-capitalistas. Ou, doutro jeito: como algo prévio e nosso pode dar-nos ideias, senão a chave mesma, para construirmos algo novo e também nosso.

E tudo isto em galego. Co qual retomamos também um outro ponto tratado antes: a estratégia reintegracionista e o seu recurso ao imaginário capitalista. En todas as mans é uma mostra de que temos um imaginário próprio e alternativo que pode ser adaptado e usado para darmos um pulo cara adiante. Não esqueçamos que o esmorecer do galego é paralelo ao esmorecer do modo de produção tradicional na Galiza, do que os montes em mão comum são sobreviventes. E sobrevivem, ademais, em galego, e não por casualidade. Em troca, onde mais medrou o capitalismo, co seu trabalho assalariado e mais o seu urbanismo descontrolado, o galego agonia. O documentário reflete como a ameaça do capital sobre os montes em mão comum avança em paralelo à substituição linguística: também estas falas galegas do rural soam hoje já deturpadas, contrastando os seus castelanismos cos falares portugueses cos que se alternam no filme. Recorrermos à ideologia capitalista é adotarmos os valores que estão a afogar o galego.

Durante muitos anos as pessoas na Galiza fomos doutrinadas para crermos que o nosso país era atrasado e inculto por não termos um desenvolvimento industrial equivalente ao doutros países ocidentais. Mas foi precisamente no período de maior desenvolvimento capitalista no país, nos últimos quarenta anos, quando rachou o equilíbrio territorial entre costa e interior, se produziu uma aguda crise demográfica, se desmantelaram os sectores produtivos tradicionais, se perdeu o conhecimento coletivo acumulado durante séculos, se tronçou a transmissão intergeracional do idioma, se acelerou o processo de substituição linguística e, como remate, se presentou de novo o exílio económico como única saída colectiva nacional.

E não é casual que esta desertificação demográfica e económica coincida coa fase mais aguda de retrocesso do galego e da cultura popular. É um processo de suicídio acelerado a todos os níveis. Não é que esteja a desaparecer a língua galega, é que está a desaparecer a gente galega, o povo galego.

Por isso é urgente um novo projecto de futuro para Galiza. Afortunadamente, o processo de destruição capitalista na nossa nação não foi tão intenso nem está tão avançado do que noutros países. É por isso que é tempo de dizer que o suposto atraso económico da Galiza é, em muitos aspectos, uma bênção. Que graças a isso, o nosso país não tem hoje os problemas ambientais, de poluição, de superpopulação, de massificação turística, de dependência alimentar, de megalópoles, etc., que têm outras zonas de Europa e do mundo. Isso é para nós uma vantagem (e mesmo um privilégio que deveríamos ajudar a compensar).

Somos ainda um bairro residencial verde, limpo e ordenado que se beneficia do que produzem os bairros industriais sem termos que emporcar muito as mãos. A diferença é que, no nosso caso, não existe a mesma oposição de classe que se dá habitualmente entre o bairro rico e o pobre, já que o nosso nível de renda não é superior ao do resto da Europa ocidental, mais bem ao contrário. Obviamente, se a comparança é coas novas zonas industriais de Ásia ou América, ou coa África em geral, Galiza é o equivalente a um bairro fino da burguesia, algo que não devemos esquecer tampouco.

Este novo projecto de futuro para Galiza não deve renunciar aos benefícios da ciência, da tecnologia e mais da indústria em âmbitos como a saúde ou a educação. Mas os recursos do planeta são limitados e o crescimento infinito não é uma opção. Aí é onde entram iniciativas como En todas as mans, que apresenta um resgate da nossa tradição, do nosso comum, como alicerce para um futuro novo. E em galego.

En todas as mans é a nação galega em pé.

No do sector jornalístico há meios não competitivos
que são mantidos artificialmente com subvenções públicas
em troca de favores político-mediáticos

Antes de ir para Barcelona, trabalhavas na Galiza como jornalista (redator, operador de câmara e/ou fotógrafo) em diferentes meios de comunicação galegos e espanhóis. Como vives a crise dos mass media na nossa língua e no nosso país? Por que decidiste ir trabalhar a Barcelona?

Suponho que, como qualquer outra pessoa migrante, fui empurrado pola situação sócio-económica geral e mais polas minhas próprias circunstâncias pessoais. Em Barcelona continuo a me formar e há mais trabalho de luminotécnico em TV, séries, concertos, festivais e eventos.

Antes de emigrar, trabalhara como redator, fotógrafo, locutor, produtor, apresentador, operador de câmara… Trabalhei na meirande parte dos meios na nossa língua; nalgum como bolseiro, noutros contratado e noutros apenas como colaborador ocasional: A Nosa Terra, Radio Galega, TVG, Acordar (matriz de Vieiros), O Correo Galego… Já de Barcelona, tenho colaborado pontualmente com Tempos Novos, Praza Pública, Galicia Confidencial e mais coa versão digital da extinta ANT; para além de Diário Liberdade, Novas da Galiza e mais com A Micro Pechado, o boletim da ERGAC (Emisións Radiofónicas Galegas en Cataluña).

Penso que o presente ciclo de crise económica abriu um novo processo de acumulação capitalista em que as grandes corporações aproveitaram para reestruturar o mercado em seu favor. Isto provocou que as pequenas e medianas empresas desapareceram ou foram absorvidas. Foi o caso também do sector jornalístico, coa excepção de meios não competitivos, que são mantidos artificialmente com subvenções públicas em troca de favores político-mediáticos.

No caso concreto dos meios em galego, cumpre salientar o labor feito previamente à crise. A imprensa em galego recolheu a tradição pré-franquista e mantivo aceso o facho do jornalismo na nossa língua, demonstrando coa sua mera existência que é possível a comunicação de massas em galego. Isto facilitou o salto do nosso idioma ao sector audiovisual, que se deu primordialmente através da titularidade autonómica (=estatal), graças à pressão popular em prol de meios públicos na nossa língua. Lamentavelmente, a tímida introdução do galego na meirande parte dos restantes meios de propriedade privada sempre respondeu mais ao cobro de subvenções do que a uma vontade burguesa de defender a nossa língua.

Os meios em galego, autonómico-estatais à parte, caraterizaram-se, ademais, por apresentar um modelo alternativo de jornalismo. O monolinguismo em galego já era, em si mesmo, alternativo. Mas, para além, a configuração duma outra agenda distinta à oficial (e à oficiosa) foi um mérito mui importante destes meios. Greves, ecologia, feminismo, associativismo, lutas, cooperativismo…, são algum dos temas que os meios galegos tratavam mais cos demais, com distinta perspetiva e, em muitos dos casos, em solitário. Estilisticamente, cultivou-se um jornalismo de investigação e denúncia que não tivo equivalente nos meios convencionais durante muito tempo.

E é de justiça assinalar também que a Internet falou galego mui aginha graças, entre outras iniciativas, à dum grupo de profissionais arredor dum projeto que ia para além do jornalismo, contribuindo a formar os alicerces do desenho e da criação de conteúdos em rede no nosso país. Uma semente que agroma hoje em outras várias empresas.

Cuido que este labor resenhado tem muito em comum co fulcral trabalho desenvolvido polo galeguismo institucional. Mas, lamentavelmente, este paralelismo não remata nas cousas positivas, senão também nos múltiplos erros: tentativa vã de seduzir a burguesia autóctone e consequente adoção de ideologia liberal, alienamento da tradicional base popular de apoio, deriva autoritária e debacle final.

A entrada de capitais alheios ao jornalismo como accionistas de determinados meios de comunicação resultou nefasta. Em quanto o rumo político-institucional mudou, estas capitalistas fugiram e os projectos mediáticos morreram. Outros meios em galego ligaram a sua sobrevivência à do bipartido na Junta, fazendo-se dependentes de subvenções. Incapazes de sobreviver sem elas, foram também pro tacho. O mesmo co galeguismo institucional, houve imprensa em galego que primou o partido por riba da sua missão e que premiou o servilismo antes que o talento. A chegada do ciclo de crise fixo o resto.

Afortunadamente, o valeiro começou a se encher com novos meios que estão a desenvolver um labor mui importante e interessante, com gente mui válida a trabalhar neles. Lamentavelmente, por outra banda, repetem-se algumas das eivas já comentadas. Reconstituiu-se tanto a imprensa de partido coma o institucional-esteticismo.

E o que nunca dá morrido é essa pretensão de que a gente preencha de conteúdo estes meios por amor à Pátria, de moca, criticando quem pretende cobrar polo seu trabalho coma se fosse traidora ou avara. Tendo em conta o estreito vencelhamento destes meios com determinados partidos e movimentos, pergunto-me se o modelo alternativo de sociedade que pretendem construir é um onde uma gente ganhe dinheiro enquanto outra trabalha grátis.

Afortunadamente, continua a se tecer uma rede, ainda frágil mas mui interessante, de meios livres, que são horizontais e assembleares em maior ou menor medida. Novas da Galiza está a ter um papel central pola sua veteranice e a sua aposta por uma agenda verdadeiramente alternativa. Diário Liberdade é uma excelente mostra do papel internacional e internacionalista que pode ter Galiza graças à nossa língua. As rádios livres ameaçam com abrir uma nova era dourada, após a dos anos 80, e percebo que Cuac FM está a ter uma intensa atividade, seguindo a esteira da Rádio Kalimero, a Kalimera, com quem eu colaborei há anos. E acho mui prometedor o projeto Galiza, Ano Cero, ainda que não pude segui-lo muito. Também semelha interessante Irmandade TV, ainda que, se calhar, transita por caminhos mais convencionais do que os meios livres, ainda pode ser que esteja eu num erro, não tenho informação avonda. E muitos mais; o mesmo Portal Galego da Língua se poderia incluir aqui. Mais uma vez, iniciativas não “profissionais” são as que marcam a diferença em muitos aspetos.

Miguel López | Foto: Eduard Muniesa

 

E depois de tudo isto, ainda tens tempo para investir no teatro! Tanto amador quanto profissional, a tua atividade é constante e mui ampla, como adaptador teatral, intérprete, director, etc etc… Fica claro que gostas muito do teatro e da linguagem teatral. Conta-nos um pouco mais sobre isto… Que é o que estás a fazer neste momento?

Pois justo agora anda nos cinemas Losers, uma longa-metragem em que fago um papelinho pequeno e que está dirigida por Serapi Soler e Oriol Alcaraz, cos quais já trabalhara na obra de teatro Tarda de Gossos, adaptada pro catalão a partir da película de Sydney Lumet.

Também venho de rodar Secuestro, de Mar Targarona. Foi apenas uma figuração especial, mas pude compartir sequência com Blanca Portillo e Josep Maria Pou. E justo venho de começar uma relação profissional coa representante Belén Xestal que espero seja frutífera.

Quanto a projetos mais pessoais, o mais recente foi dirigir a adaptação teatral de Somiamons, um programa que escrevi e dirigi para LaTele, uma televisão livre e assemblear de Barcelona. Foi uma produção bonita pero nazi co-produzida e editada por Miguel Vigo, galego recentemente desemigrado, e interpretada por um elenco genial (à parte dalgum papelinho para mim também). Acho que é o único programa de TV mundial que remata com um “Viva Galiza Ceive”. A versão ao vivo contou com novidades na equipa e mais no texto.

E também dirigi o videoclipe Ulrike Meinhof, jornalista. Mais uma vez, edita Miguel Vigo e eu tenho um papel pequeno. Trata-se duma canção de LéRIA, conjunto musical com um vocalista que teima em cantar apesar de desafinar. Uma teimosia na mediocridade que sinto como minha, é uma identidade plena. Afortunadamente os outros dois integrantes do grupo são bons músicos e compensam como podem.

Que visão tinhas da AGAL, que te motivou a te associares e que esperas da associação?

Sempre de fora, percebia a AGAL coma um movimento em prol do galego de caráter popular, em tanto que auto-organizado pola gente comum, e resistente, pola sua postura contra o processo de substituição linguística ao abeiro das chamadas políticas de normalização e normativização. E, também de fora, como uma organização que, ademais de resistir, construi e propõe, com um mui interessante labor linguístico, começando pola própria norma AGAL ou o dicionário Estraviz (a versão em linha é uma maravilha técnica, mui por riba do DRAG e do DRAE). Uma actividade diversificada na editora Através, na revista Agália e que, graças a Internet, se tem multiplicado. Para mim é, de certeza, o projeto mais interessante em defesa da língua na Galiza.

A minha achega não se espera que seja significativa. As minhas capacidades são mais ca modestas e o feito está bem feito. O único, insistir nos já mencionados perigos do direitismo. No caso da AGAL, e do meu humilde ponto de vista, têm a ver com tentar englobar nesse certíssimo “o galego é mundial” a oficialização do galego na África por riba das línguas autóctones; tentar aproveitar no nosso favor e acriticamente um evento epítome do capitalismo como é o Mundial de Futebol, negócio que no Brasil provocou inúmeras injustiças sociais e originou uma grande resposta popular; ou escolher para promovermos o idioma o lema “New Deal”, termo para nada apolítico, por não dizer apologético do capitalismo.

E para finalizar, como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2030?

Gostaria de que o galego fosse a língua veicular duma população galega culta, plurilingue, enxebre e feliz, que se desenvolve-se no nosso idioma a sua vida económica, social e emocional. E de escuitar a rapazada falar o galego polas corredoiras adiante.

Conhecendo Miguel:

  • Miguel López Calzada - perfilUm sítio web: mincinho; é outro medíocre com ínfulas de grandeza. De novo, identificação total e inevitável.
  • Um invento: A saúde dental pública, completa, universal, gratuita, popular, científica e de qualidade. Está por chegar.
  • Uma música: A besta da festa, de LéRIA
  • Um livro: 1984.
  • Um facto histórico: Os sovietes.
  • Um prato na mesa: Polvo à feira com adereços de cozido galego regado com caldo de nabiças num leito de sorça… com patacas e escintilares de churrasco de porco salferido de empada de liscos e mais pimentos de Mougám com acompanhamento de torta de amêndoas de Mondonhedo e mais amoras e mel dos Ancares encol de talhadas de queijo de Cotá em pão de Antas de Ulha.
  • Um desporto: Natação.
  • Um filme: Brazil.
  • Uma maravilha: O amor.
  • Além de galego: Hespanhol.

 

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