Wiktoria Grygierzec: «Se não se fala o galego “na intimidade”, os grandes atos e declarações públicas não vão fazer muito com e por ele»

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Wiktoria é polaca. Vem de outra Galiza, da Galicja de Cracóvia. Estudou Filologia Portuguesa na Universidade Jagiellonski de Cracóvia e teve contacto com aulas de galego ILG-RAG na sua faculdade. Foi mesmo pela sua professora que decidiu visitar a Galiza várias vezes e foi na segunda viagem que ficou cá até hoje.

Para um/a galego/a é difícil imaginar a vida de uma pessoa na Galiza polaca. Conta-nos um bocado sobre a Galicja… Alguma semelhança com a nossa terra?

A Galiza daqui é um conceito mais antigo e mais homogéneo. A minha Galicja foi mais efémera, existiu apenas entre o século XVIII e os inícios do século XX, abrangendo muitas culturas e línguas: polaca, ucraniana, rutena, austríaca, judaica… Hoje em dia, em Cracóvia —uma belíssima cidade histórica e universitária donde sou— lembramos Galicja sobretudo quando no inverno bebemos “grzaniec galicyjski”, vinho quente com especiarias. Parecidos? Imensos, os bons e os menos bons. No século XIX, no império austro-húngaro —ao qual pertencia— todos identificavam Galicja com fame e pobreza… Esses belos elementos da identidade fizeram com que ambos os tipos de galegos nos tornássemos muito aventureiros, com imensa vontade de viajar pelo mundo em massa. Estivemos e estamos em todas as partes do mundo e se calhar até na Lua. Logicamente, não tive problemas de adaptação nesta terra.

Na Polónia fizeste estudos em Filologia Portuguesa. Porque decidiste estudar português? Qual foi a origem desta decisão?

É uma dessas inexplicáveis coisas de destino, o fado… Um dia, a minha mãe ouviu na rádio que na Universidade de Cracóvia inauguravam o curso de Filologia Portuguesa e ficou muito entusiasmada. Eu daquela andava a estudar o castelhano e tinha pensado na Filologia Hispânica. Foi mesmo no último momento de apresentar a documentação para a universidade quando me deu essa cousa tão galega chamada popularmente “arroutada” e troquei os papéis para o português. Doze anos depois só posso dizer: rapazes e raparigas, escutai as vossas mães, elas sabem o que é bom nesta vida!

Foi na universidade que descobriste o galego e parece que aqui tudo mudou. Porque decidiste pesquisar no âmbito da língua da Galiza? Qual era o teu objeto de estudo?

Devo agradecer por esta descoberta a minha professora de galego em Cracóvia, Maria Filipowicz-Rudek, uma pessoa e docente excecional. Foram as aulas dela que me ajudaram a apaixonar-me pelo galego. Devo admitir que pelo caminho foram usados muitos incentivos como alimentar os alunos com a “torta de Santiago” no dia do exame ou oferecer livros gratuitos. Eu, como filha de livreiros, não consigo dizer “não” nem aos livros nem à comida gratuita, acho que foi assim como fui apanhada… Como naquele momento inicial da aprendizagem percebia o galego e o português como línguas separadas, com história comum, decidi pesquisar nessa história comum e procurar o momento em que se “divorciaram”. Mesmo que o meu trabalho e esforço fossem bem valorados pelo professorado, devo admitir que não encontrei esse momento mágico que procurava e pessoalmente considero a minha tese um exemplo de fracasso científico.

Em que momento descobres o reintegracionismo e como foi mudando o teu posicionamento?

Descobri o reintegracionismo muito cedo, o mesmo ano em que comecei a estudar o galego. Acho que foi o ano 2004… Primeiro foi um amigo, que encontrou um manual de normas alternativas do galego na Internet; depois conheci umas pessoas reintegracionistas. Foi esse o momento em que apareceu uma dúvida no meu modo de perceção da língua galega, ainda que no início não me convence e até fui hostil com ela. No entanto, com o tempo descobri que os preconceitos que realmente tive em contra do reintegracionismo foram só de natureza política. Felizmente, descobri também que pertencer à AGAL não exige nenhum posicionamento nem militância política. Quando percebi que é só questão científica e filológica, permiti-me a liberdade de “mergulhar” nela. Agora esperemos que não afogue! (risos).

Quando decidiste que o reintegracionismo era a melhor estratégia para o galego?

Realmente foi há pouco tempo. Antes, pelo ensino que recebi fui isolacionista, mais da escola de Ramom Pinheiro que de Castelão. Quero dizer, que a minha experiência com pessoas de ideologia isolacionista foi sempre positiva. De facto, a minha mudança de fação não é nenhum tipo de traição nem é efeito de nenhuma batalha pessoal. Seria imensamente triste e contraprodutivo que entrasse em luitas pessoais quando a nossa causa comum está a sofrer. O que acontece é que levo já mais de sete anos nesta terra e observo a sociedade. O que vejo é que o galego está a desaparecer dos espaços público e privado. Por exemplo, a perda do galego nas gerações mais novas parece já imparável. Para demasiados alunos é já mais uma língua estrangeira, ao mesmo nível do inglês ou o francês. Neste cenário desolador acho que é preciso e urgente renovar completamente as linhas do discurso e do trabalho, pensar em novas táticas, sejam elas oficiais ou não. A verdade é que não conheço o futuro, mas as táticas empregadas até agora não parecem funcionar bem. Acho que devemos atuar como médicos perante um vírus desconhecido: por um lado procurar a causa (do rejeitamento social da língua), e por outro lado procurar sempre novos remédios. Ainda não sei se o reintegracionismo vai ser funcional, o que sei é que oferece um horizonte mais amplo e dá acesso ao conhecimento de mais espaços culturais (cujo valor e riqueza como filóloga portuguesa conheço e não posso negá-los), portanto a priori parece-me muito positivo.

Wika 3Recentemente na Através Editora publicamos A normalização linguística, uma ilusão necessária. Aos teus olhos, há muito de ilusão a respeito da língua da Galiza?

No contexto da normalização linguística na Galiza, acho que a ilusão seria pensar que foi uma cousa bem feita e aplaudida por todos os interessados nela. Eu vejo problemas que não existem em Euskadi ou na Catalunha e que aqui continua a haver. Cá os poucos que sobrevivemos à uniformização cultural e linguística vinda do centro do Estado, centramo-nos em discutir entre nós, enquanto estamos a perder falantes à velocidade da luz. Na Galiza, o que temos atualmente é um minifundismo linguístico. Todos acham que o seu modelo da língua particular é o correto e não cedem. O argumento popular mais clássico é “isto é assim de toda a vida” (por exemplo, o caso duma famosa feira de “pulpo”). Cada falante, mesmo sem nenhuma base científica, acha ter direito a uma opinião linguística válida mas todos esquecem que para além de “toda a vida” deles, o galego já tem história milenária e que se escrevia e cantava em galego antes de que se escrevesse em castelhano. Diz-se que não é bom olhar para trás, mas justamente no caso do galego é preciso olharmos bem para trás para ganharmos o futuro.

Qual achas que deveria ser o caminho para garantir o futuro da língua?

É complicado ser profeta, mas os conceitos básicos para mim são o respeito e o conhecimento. Todos sabem falar castelhano “por respeito” mas quase ninguém sabe falar galego por e com respeito. No que diz respeito ao conhecimento uma coisa que não suporto é a perda da memória histórica, tanto por parte da Galiza como de Portugal. No presente ocultam-se os factos e ocultam-se os vínculos. Os portugueses, por exemplo, tentam ocultar a sua origem galaica quando dizem que a sua língua vem diretamente do latim vulgar ou quando falam da formação do país sem mencionarem de que entidade se separou. Os galegos, pelo contrário, parece que ocultam aos alunos a existência das literaturas portuguesa e brasileira, textos que qualquer aluno galego medianamente inteligente poderia e saberia ler com 2 ou 3 explicações adicionais do professor (da mesma maneira que nas aulas de castelhano, o professor tem de explicar certo léxico cubano, mexicano ou argentino que não se usa na variante “padrão” do castelhano da Península Ibérica). Na Galiza desperdiça-se um potencial que é falar 2 línguas mundiais desde criancinhas. Em vez disso contam-vos que tendes uma língua internacional e uma língua regional que é parecida com a língua dos vizinhos, mas como os vizinhos são mais pobres e o único bom que têm são as toalhas baratas em Valença do Minho talvez nem valha a pena… (não continuo porque sinto raiva). Se tivesse poder religioso, diria que é um pecado desperdiçar oportunidades e talentos.

Porque demoraste em te associares à AGAL e e que esperas da associação?

Demorei porque erroneamente achava que pertencer à AGAL exige algum tipo de compromisso político, sobretudo de esquerda. Como as experiências históricas do meu país, Polónia, são totalmente opostas às de Espanha e Portugal, tinha muito medo de trair por exemplo a memória histórica do meu país e de todos os meus compatriotas que sofreram muito com a ditadura soviética. Felizmente, uma cousa é uma língua do Oeste de Europa e outra coisa é a política no Leste de Europa; portanto, com a ajuda dos amigos que me explicaram que não devia ter medo (agradecimentos especiais ao amigo Eliseu Mera), deixei de me preocupar. O que espero? Simplesmente sentir-me bem, ter conversas proveitosas e frutuosas e saber que há mais pessoas com ideias semelhantes às minhas, preocupadas com a língua e amantes da filologia.

Como gostarias que fosse a “fotografia linguística” da Galiza em 2030?

Se vejo os pais a falarem o galego com os seu filhos, e em consequência os rapazinhos e meninas a falarem galego entre eles/elas, já estou satisfeita. A transmissão duma língua de geração a geração é a única via de sobrevivência dum idioma. Se não se fala o galego “na intimidade”, os grandes atos e declarações públicas não vão fazer muito com e por ele.

Conhecendo Wiktoria

  • Wika 1Um sítio web: Chamai-me rançosa mas sem Internet vivíamos mais tranquilos.
  • Um invento: Acho que a roda foi o mais importante, depois dela a imaginação humana não teve limites.
  • Uma música: Gosto de quase todas, menos de alguma de Wagner…
  • Um livro: Um só? Qualquer de Sofi Oksanen (o meu último descobrimento literário).
  • Um facto histórico: Recuperação da independência da Polónia em 1918 (em geral gosto de todas as recuperações da independência).
  • Um prato na mesa: Experimentos de cozinha fusão polaco-galega da minha mãe; por exemplo, bolo de sementes de papoula com licor-café.
  • Um desporto: Maratonas gastronómicas.
  • Um filme: Continuarei sendo patriota, recomendo o último Oscar polaco, “Ida”.
  • Uma maravilha: Que os seres humanos ainda não acabássemos com a vida neste planeta.
  • Para além de galega da Galicja: Leitora incansável.

 

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