Ostrácia, de Teresa Moure,[1] é uma obra incomum dentro do panorama de qualquer literatura.
É uma obra que engancha, pois não é possível começá-la, e não rematá-la, porque tem o que toda boa literatura tem, histórias das que necessitamos saber como se desenvolvem e acabam. [2]
Sua autora, Teresa Moure, é uma das canetas mais finas e engaiolantes que há no nosso panorama literário atual na Galiza; é dizer, nessa parte da Galiza que não constituiu o reino de Portugal e que acabou submetida sob a dominação de Castela/Espanha. p>
Pelas veias e neurónios de Teresa Moure corre um rio de muito boa literatura e de ideias para nos movimentar. Ela é romancista, poeta, ensaísta, e excelente divulgadora e agitadora de sonolentos leitores.
Ela, com o conjunto da obra que vai criando, age para nos arrincar da passividade e mover-nos à ação, ela compromete-nos a construir um futuro no nosso País, e fazê-lo com os melhores alicerces.
Há escritores dos que se pode dizer que toda a sua obra é no fundo uma variação de um mesmo tema, e há escritores geniais em que fazem todas as suas obras absolutamente distintas, e com cada uma delas achega um jeito de olhar as cousas ao caleidoscópio que é a realidade.
Teresa Mouse, é dessa segunda condição de escritor, a sua obra é polifónica, e com Ostrácia ela realiza uma sinfonia, onde soam muitos instrumentos dirigidos sob a sua hábil batuta.
Não estamos ante uma obra simples de leitura linhar e tranquila, não, estamos ante uma obra com três planos, que se misturam e se contorcem uns nos outros. Há vezes em que vão desenvolvendo-se em paralelo, ainda que as mais das vezes, e como diria Cervantes, dá-se a comunhão íntima dos planos, e o diálogo íntimo ovárico e seminal dessa comunhão.
Quem temos nesses três planos:
1-Inessa Armand e a sua vida.
A autora faz um interessante trabalho professoral de pesquisa e documentação, sobre esta mulher Inessa Armand, que foi bolchevique, rompedora com não poucas normas do seu tempo, e além de ser amante de Lenine, teve o seu papel militante e deixou alguma pegada nessa peça teatral construída historicamente e que se chamou a revolução socialista de Outubro de 1917, e o nascimento da URSS.
A informação histórica que há no romance é bem interessante
2- A autora.
Ela vaza-se para os leitores, ao seu modo, ao fazer-se personagem literária. Aí temos a autora ser humano e literário entanto desenha a sua Ostrácia.
Ostrácia é o espaço vital no que se insere e refugia a autora (projetando-se em Inessa Armand a revolucionária)
Ostrácia é um termo criado por Teresa Moure, e vem significar algo assim, como refugio mental onde nos agachamos frente a dura realidade que nos esmaga[3].
Ela fala-nos -sem dizê-lo-, da sua pessoal Ostrácia[4], e de como é a construção de essa Ostrácia[5] sua que lhe permite viver o mais normal possível, sem cair na insanidade, pola dureza da contorna que nos baliza e submete.
Nesta obra não é a primeira vez que utiliza o termo ostrácia. No seu excelente poemário Eu Violei ao Lobo Feroz publicado pela Através, aparece em vários poemas: No poema 12 onde além de ostrácia aparece ostracenses. No poema 20 …Por exemplo no poema 35 diz fazendo o termo bem transparente:
“E não deixava de pensar-te
tão distante da Ostrácia e de mim”
3-Lenine, o partido bolchevique, e a revolução
Aí temos a Europa de começos do século passado, no que se constrói uma revolução de fundamentos materialistas e marxistas, de um novo cunho, na procura de uma humanidade nova sem opressores e sem oprimidos e onde se tentaria chegar ao de: A cada um recebendo segundo as suas necessidades e a cada um dando segundo as suas capacidades[6].
A polifonia que é Ostrácia pode ser muitas mais cousas, por exemplo um tratado sobre arácnidos. Ainda que a autora desconhece que existem aranhas que fazem a vida em grupo e caçam em grupo, e constroem suas teias em grupo, como se fossem abelhas. Porém sabendo que elas só existem nas selvas tropicais americanas, e sendo a autora da Eurásia não se lhe podem pôr chatas por isso.
Mas se algo fazem as aranhas é tecer, e tecer é o que faz a nossa autora. Ela ao tecer a sua Ostrácia é tão generosa que abre o seu refugio para que sejamos muitos os que entremos nele a acompanhá-la e fazendo isso, faremos a ostrácia definitivamente desnecessária, pois já Penélope terá o seu Ulisses de volta.
Ostrácia também poderia ser definido como um livro de poesia, pois nela a nossa poetisa segue-nos regalando pequenas peças maravilhosas que são -para mim- continuidade de essa joia que é Eu Violei o Lobo Feroz.
É um livro de protagonista(s) feminino, mas não é um livro de concepções feministas, senão femininas.
A relação de Inessa Armand e a sua contorna, a relação com Lenine são em geral na caneta de Teresa Moure, ela sempre tão delicada, bastante adocicadas (só quando a autora e protagonista se perde esse adocicamento), e além da relação tão especial com o seu marido, Inessa Armand é verdadeiramente fiel a todos, ainda que transgreda, na nossa protagonista não se percebe falta, se não compromisso e fidelidade aos seus todos e sempre por cima das circunstancias pessoais e até dos desencontros.
Na nossa literatura não há nenhum outro livro que o vaia surpreender como este de Teresa Moure, prepare-se para se deixar surpreender, paga a pena.
Notas:
[1] Entenderia que fossem como tolos a comprar o livro para devorar tão apetitoso alimento.
[2] Fazer de crítico literário, é uma das atividades mais difíceis. Neste caso não se trata de passar ao leitor ou leitora a paixão que se poderia ter pela obra. Se não que a analise há que a realizar com a suficiente distância para se poder perceber todos os matizes que a luz reflete nesse trabalho; pois só com essa suficiente distância é como o crítico poderá deixar ao leitor com um belo quadro, no que o leitor/leitora logo se há de mergulhar, para desfrute e satisfação dos seus sentidos e inteleto.
Se além disso, um como leitor, tem uma especial debilidade pela autora, e gosta de se recrear nas suas leituras e alimentar-se nelas e mastigar as suas palavras tão bem apimentadas e cheias de sabores, entenderam vocês a dificuldade da tarefa.
[3] Ostrácia é termo que bebe em ostracismo que significava: Desterro político, que não importava ignomínia, desonra nem confiscação de bens, a que se condenava, por período de dez anos, o cidadão ateniense que, por sua grande influência nos negócios públicos e por seu distinto merecimento ou serviços, se receava que quisesse atentar contra a liberdade pública.
O condenado ao ostracismo era expulso da comunidade. Em Ostrácia um construí um espaço que está fora da comunidade, porém no que um se refugia da insanidade dessa comunidade.
[4] Um bom exemplo de Ostrácia é o poema Pátria de Guerra da Cal.
[5] Mario Herrero em entrevista no PGL explicava muito bem o sentido da Ostrácia, esse espaço no que estamos não poucos galegos e galegas.
[6] De essa revolução saíram muitas cousas boas e também monstros. O sonho da razão produze monstros. Um dos grandes romances do século XX é Vida e Destino de Vassili Grosman, no que se canta entre outras cousas a epopeia de Estalinegrado na II guerra mundial e o monstro nascido de Outubro aparece despido.
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