Susana S. Arins: «’seique’ achega a justiça poética de fazer conhecidos os maldosos anónimos da repressão»

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a nova obra de susana arins, seique, não é um poemário, nem um romance, nem um ensaio, nem uma pesquisa histórica… porém, recolhe alguma cousa de cada um desses géneros. «nasce de uma estória de vida insignificante, anónima, para abordar uma reflexão sobre a [des]memória e as maneiras de construir a história», recolhe a ficha do livro na página web da editora.

esta obra não pretende ficcionar uma história, tomando como base uns factos conhecidos de todas, «mas todo o contrário»: parte de uns factos desconhecidos, «seique por particulares, ou por insignificantes, seique», como a história de um fascista tão sem importância que nem sequer aparece nos arquivos, mas que sim existiu, «deixando, seique, marcas que as suas vítimas nom esquecem [ou sim]».

saibamos mais da obra polas próprias palavras da autora.

seique isto é uma entrevista à susana sánchez arins.

sei que vou responder o que me pete, seja verdade seja mentira… a ver em que dá a cousa.

seique é o novo livro da susana. que vão encontrar as e os leitores em seique?

as leitoras vão dar, de entrada, com uma estória de família, de um tio manuel que foi de meu pai e foi mui mau, seique; para de aí dar, passo a passo, com a história mais terrível do país: parto das maldades familiares para tratar do horror da repressão franquista. de passagem, encontrarão uma reflexão sobre a importância da memória e da dignidade na derrota. [sei que não é muito padrão o termo estória, mas se mia couto pode, eu sinto-me autorizada para o utilizar também, e ademais neste caso quadra estupendamente]

Capa de 'seique', de Susana Sánchez Arins (Através Editora, 2015)

Capa de ‘seique’, de Susana Sánchez Arins (Através Editora, 2015)

seique não topamos nenhuma maiúscula no livro. como é isso?

desde que escrevo poesia fujo das maiúsculas. são acompanhadas habitualmente de uma série de normas, de indicações de estilo, que em muitos casos eu aborreço. vários dos meus livros poéticos evitavam a maiúscula e a pontuação. o caso é que nos poemas é fácil. na poesia sempre podes rachar normas, que para isso está, seique. mas quando comecei a escrever o seique, que inicialmente pretendia ser um romance, e decidim pontuar de maneira “clássica”, encontrei que me rangia cada maiúscula que colocava. de tão afeita às minúsculas, fazia-se-me raro escrever letras grandes, assim tão imponentes e majestosas elas. e optei por seguir a minha própria tradição do comum, do impróprio.

seique é uma historia poderosíssima. como está sendo recebida?

acho que mui bem, muito melhor do que eu contava.

eu estou orgulhosa do resultado final do livro, não vou exercer aqui a falsa modéstia. estou orgulhosa porque é desses estranhos casos em que o produto final saiu mais rico e formoso que o produto planificado por mim no início. adoita acontecer ao invés [quando menos a mim]: aquilo que sai publicado não é tão bom como tu sonhaste, sempre escreves pior na realidade que nos teus pensamentos. porém neste caso não foi assim: no processo de escrita dei com uma multidão de ideias e recursos com que não contava, que melhoraram o produto final.

mas também sou realista. sei como se move o campo literário. sei que escrever com nh pecha portas e janelas, que resta visibilidade às obras. e ver o seique entre os dez mais vendidos no mês de outubro para mim foi um shock, pois não contava com tal cousa.

em todo o caso, o mais agradável estão a ser os comentários das leitoras: gostam da forma e o fundo, seique ficam seduzidas pola narrativa e ando a roubar-lhes horas de sono. e, sobretodo, seique está a despertar conversas nas cozinhas, a eliminar silêncios familiares noutras casas, e esse era o objetivo final da escrita.

seique tem uma estrutura em capitulinhos onde podemos atopar distintos géneros e recursos. como teceste esta teia?

com muitos trabalhos! a estória que narro é fragmentária e inconclusa, porque parto de recordos familiares soltos, desfianhados. para mim era mui importante dar-lhe unidade à narrativa, para as leitoras não se perderem, mas sem falsear a fragmentação. não queria inventar os feitos que faltavam entre recordo e recordo. e tirei de recursos tradicionais: de um coro trazido da grécia clássica que nos lembra cada tanto as frases funestas, da variação do romanceiro, onde é contada a mesma estória mudando só uma, duas palavras, e todo o sentido do texto, a reiteração de certos motivos: os bois, as árvores, o cinema, a taberna, o poxigo, ou a introdução de coplas populares. todo isso, ainda que na aparência só aporta caos, dá uma funda unidade a toda a narrativa.

seique é o teu primeiro livro narrativo. como foi o teu trabalho com a língua?

igualzinho que quando escrevo poesia. cuido cada palavra e busco que signifique exatamente o que quero significar. em realidade eu não acho muita diferença entre este livro e os anteriores. a grande dessemelhança, para mim, foi trabalhar as intervenções das personagens. porque no seique há personagens que falam e eu tinha especial preocupação por não transmitir diálogos afetados, falsos, e dei muitas voltas à maneira de construir cada uma das frases que ponho em boca da avó glória, de tia ubaldina ou do tio manuel.

seique é um livro memorialístico. que achega ao campo da memória histórica?

para mim achega a justiça poética de fazer conhecidos os maldosos anónimos da repressão. a destruição do silêncio cúmplice. após a grande preocupação dos últimos anos por recuperar os nomes das vítimas e devolver-lhes a dignidade arrebatada, creio que é tempo de dizer bem alto, também, os nomes dos vitimários. em 2016 farão-se os 80 anos desde o golpe de estado fascista, a vaga de terror que o seguiu e a repressão da ditadura. 80 anos são avondos.

e reclamo a atenção às estórias frente à história. na atualidade é complicado fazer história daqueles tempos. a história exige fontes documentais contrastadas e, com grande sucesso, o fascismo preocupou-se mui muito de apagar qualquer pegada documental das suas muitas feitorias. e tanto protagonistas como testemunhas diretas estão, quase todas, mortas. porém a tradição oral, as memórias familiares, guardam muita informação do que em verdade sabemos que (sei que) aconteceu. eu animei-me a contar as memórias familiares dessa repressão. e animo outras netas, outros netos, a fazerem o mesmo.

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